Por Edson Moura
Dias desses
recebi a visita de um grande amigo, aliás, dois grandes amigos, e por
muitas vezes, no calor de nossos debates, refleti sobre temas que
preferi não compartilhar com eles naquele momento. Agora, depois de
passada a euforia de ter meus companheiros Marcio e Esdras dividindo o
mesmo teto comigo, resolvi escrever sobre o que pensei naquele momento.
Ponderações sobre a velhice, a morte e o “ser feliz” num mundo já há
tempos dominado pela indústria da beleza e sua falsa promessa de bem
estar e eterna juventude me fizeram pensar sobre como estou conduzindo
minha existência.
Ouvi dizer, ou
talvez tenha lido em algum livro ou revista que certa feita Sócrates
foi indagado ao observar atenciosamente e com profunda admiração sobre
as coisas que punha os olhos. Sócrates teria respondido que, na verdade
examinava quantas coisas supérfluas existiam, e que, portanto, eram
prescindíveis à sua felicidade. Hoje certamente essas coisas são muito
banais. De modo que não se precisa sair a cata dos encantos da sereia.
Dentro desse universo do que é supérfluo estão inseridas as bugigangas
mais variadas do não envelhecimento.
A Indústria da
beleza vem ditando em ritmo frenético o que é necessário para ser
aceito nos espaços em que ela é fundamental. Mas o que seria o “belo”?
Será que o belo é o mesmo que está retratado nos outdoors e nos
manequins de grifes famosas? Para nós ocidentais chafurdados no
capitalismo, os encantos de um Shopping Center faz todo o sentido, todas
aquelas vitrines bem montadas nos seduzem para e acabam nos obrigando a
viver numa espécie de comunhão religiosa com o frívolo. Parece-me que
nossa felicidade vem embrulhada num papel colorido de presente. Às
vezes, nem percebemos que somos indivíduos, seres “para si” existentes,
pois nos equiparamos àquilo uma provisória sensação de bem estar.
Em 1931
Giovanne Reale disse: “Dê-me televisão e hambúrguer e não me venha com
sermões sobre liberdade responsabilidade. Com este mesmo sentido, e
parafraseando Nietzsche, Reale afirma que “a raiz de todos os males que
atinge ao homem de hoje se encontra no exatamente Niilismo. O niilismo
nietzschiano reduz-se à fórmula emblemática da morte de Deus, ou seja,
do esmagamento da transcendência e de todos os valores metafísicos. Ora,
se isto constitui-se uma verdade, se Deus está morto e com Ele toda
dimensão transcendental, prevalece então o Materialismo e com isso toda a
transvaloração dos ideais supremos.
Nessa
perspectiva, o bem-estar material é deve ser tratado como prioridade, e
isso gera, ou pelo menos contribui muito, para o mal-estar da
civilização. Chamamos esse tipo de bem –estar de “felicidade
artificial”, produzido pelo consumo desregrado que chega a se tornar um
hiperconsumo bulímico que se alterna com as dietas de privações na busca
de um corpo perfeito, mesmo que isso gere um culto dispendioso às
vitaminas e dos oligoelementos.
Todos nós
conhecemos a história de Narciso, que foi um jovem de extrema beleza,
mas intoleravelmente soberbo e desdenhoso. Agrado de si mesmo e a todos
os mais desprezando, levava a vida no serrado dos bosques coutadas, em
companhia de um grupo de amigos para quem ele era tudo. E onde Narciso
ia o seguia uma ninfa chama Eco. Assim vivendo chegou certo dia, por
mero acaso, à beira de uma fonte cristalina e debruçou-se. Ao enxergar
nas águas sua própria imagem, perdeu-se numa contemplação e depois numa
admiração tão extasiadas de si mesmo que não pode afastar-se do reflexo
que mirava e ali ficou paralisado, até que a consciência o abandonou.
Foi então transformado numa flor que traz seu nome, a qual desabrocha no
começo da primavera. É a flor sagrada das divindades infernais: Plutão,
Prosérpina e Eumênides.
Pobre
Narciso, o culto a si mesmo o fez perder sua condição de existência,
consumido pelo inebriado delírio de sua imagem. Não devemos nunca
esquecer também que isto é apenas um detalhe quase sem relevância frente
ao seu sinistro fim, ser transformado numa flor sagrada para as
divindades do inferno. Lembremo-nos então que homens deste tipo
tornam-se inúteis e imprestáveis para tudo na sociedade.
A Atual
conjuntura do mundo, notoriamente marcado pela evolução científica, vem
cada vez mais descobrindo meios de proporcionar prazer com a “felicidade
artificial”. Sabe-se que a ciência tem um papel importantíssimo no
retardamento da velhice, das doenças e como era de se esperar, da morte.
Claro que isso não é ruim! É maravilhoso, desde que este objetivo não
nos torne escravos de tais progressos. O homem é um ser temporal,
finito. E quando não aceitamos esta condição, ou seja, quando ele faz de
todo seu tempo um eterno retocar de maquiagem de suas rugas e cabelos
brancos, de uma busca infinita pela beleza externa ditada pelos
outdoors, acabará como Narciso: Inútil e imprestável.
Devemos
lembrar que essa busca incessante pela beleza e negação da velhice é
evidente nos padrões sociais mais elevados, pois sabemos, ou deveríamos
saber, que são os ricos que detêm o poder aquisitivo para valer-se de
tais panaceias. “Nos ricos o consumo torna-se histérico, maníaco pela
autenticidade, pela beleza, pela cor pura e pela saúde. São eles quem
dominam as vitrines, os grandes magazines, os pequenos mercados de
pulgas. A mania de frivolidade torna-se mania de ninharias. Como seria a
imagem do grande Sócrates em um Shopping Center? Qual seria sua reação?
Nessa corrida
desesperada o tempo acaba por tornar-se o grande vilão. Uma voz que não
se cansa de nos sussurrar: “Os teus dias estão passando!”. Então
corremos para o espelho, verificamos se a calvície está aumentando, se
mais um fio de cabelo ficou branco, se mais uma ruga traçou nosso rosto
como o leito de um rio já seco, se a barriga já nos impede de amarrar o
cadarço de nossos sapatos e assim por diante. Rapidamente corremos para
academia na tentativa frustrada de reparar a flacidez de nossos
músculos já cansados de tanto trabalho pesado, ou, quando ainda não
estão flácidos, o que é o meu caso, tentar impedir que isto aconteça.
Desesperamo-nos, pois os dias estão passando, e o inimigo cruel não tem a
menor intenção de parar de correr.
A ampulheta
da consciência diz isso. Uma batalha épica é travada com nosso ego, que
diz: “Eu não quero envelhecer!”. Salomão certa vez disse: “...acabam-se
os nossos dias como um conto ligeiro. A duração de nossa vida é de
setenta anos, e se alguns, pela sua robustez, chegam a oitenta anos, o
melhor deles é canseira e enfado, pois passa rapidamente, e nós voamos”
(Salmo 90.10-11). Ninguém experimentou isso melhor do que o poeta John
Keats, que morreu aos 25 anos vitimado por uma tuberculose, lamentando
resignadamente: “Se eu tivesse tido mais tempo!”.
Assim como a
nossa morte, a velhice, por enquanto, é inevitável, aliás, podemos dizer
que elas caminham lado a lado e de mãos dadas. Vez ou outra a morte
chega de maneira paulatina, outras vezes o tempo a impulsiona, mesmo
assim, por mais velho que estejamos, sempre acharemos que está cedo
demais para abrirmos a porta e convidá-la para entrar. O segredo está no
velho pensamento romano: “Lembra-te que és mortal!”. Não aceitar a
velhice, e consequentemente a morte, é viver sobre o jugo de uma eterna
angústia. A Angústia da luta contra o inevitável, isso gera desespero,
pois em determinado momento percebemos que a luta é vã, então entramos
em crise. Portanto, não adianta nos desesperarmos, velhice e morte,
essas duas companheiras nos visitam todos os dias. Todos os dias a
primeira nos bate à porta, enquanto a segunda fica na soleira esperando o
dia em que, sorrateiramente invadirá nossa morada, com isso, quando ela
entrar, nada mais podemos fazer a não ser, arrumar as malas e partir
para o definitivo.
Novamente
recorro a Salomão, o sábio: “Vaidade das vaidades, tudo vaidade”, e como
ele mesmo disse: Nossa vida é um conto ligeiro.
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