quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Mudar pra quê?


Por Edson Moura

Medrios estava deitado de lado, super cansado, a uma pequena distancia do moinho. Apenas o som abafado de sua respiração ofegante quebrava o silêncio da manhã. Vagamente Medrios conseguia recordar da onda de adrenalina que há tanto tempo acompanhara seus primeiros passos enérgicos em direção à linha de chegada, que imaginava ele, estava logo à sua frente. Ele não conseguia mais se lembrar de quando de fato começara a correr, e nem o porquê estivera correndo. Fora tão excitante no começo, mas de repente, ao longo do trajeto, a euforia tinha sido substituída pela exaustão, e uma sensação de amortecimento acabara com toda a esperança: não existia uma linha de chegada.

Deitado ali sobre a palha úmida e com cheiro de urina, Medrios fechou os olhos e esperou que sua respiração lentamente voltasse ao normal. Nesse raro momento de inatividade, sentiu o cheiro da realidade do mundo à sua volta pela primeira vez em muito tempo. Perscrutou tudo aquilo em pensamento, mas apenas por um brevíssimo momento, pois o som que vinha do moinho chamou sua atenção, fazendo-o abrir os olhos. Virou a cabeça na direção do som e ainda pode ver o instante em que a imensa roda do moinho rangia enquanto parava.

Sentou- se vagarosamente e olhou para a máquina que tanto dominara a sua vida. Uma voz interior dizia: “Esse moinho está te matando Medrios”, era uma voz familiar que lhe falava lá do fundo do coração. “Não desperdice nem mais um momento nessa corrida”, insistia a voz enquanto ele bebia um grande gole de água fresca que havia na fonte ao seu lado. Devia haver mais coisas na vida do que a máquina oferecia. A água fresca lhe devolveu as forças e sua respiração já estava normal. Sentiu-se refrescado. Talvez pudesse começar uma vida nova, pensou. Talvez hoje mesmo! Mas como? O que poderia fazer a seguir? Pra onde iria? Que alvos buscaria? Já nem sei há quanto tempo minha vida está assim.

Bem, aquelas decisões poderiam ser tomadas mais tarde. No momento, Medrios sentia-se um pouco assustado com a perspectiva de mudanças. Até que pudesse elaborar os detalhes de sua nova empreitada, ficaria com o que lhe parecia conhecido, verdadeiro e seguro. Assim, ainda sonhando com as coisas que poderiam acontecer, inconscientemente subiu na roda do moinho pela milésima vez em sua efêmera vida. Não demorou muito para ouvir o zumbido hipnotizador do moinho ganhando velocidade e o reflexo da luz passando pelos raios da roda. A dor foi bloqueada. A angústia já não mais incomodava Medrios. A liberdade e a aventura poderiam esperar. Aquela roda não exigia riscos, nem raciocínio, nem pensamento. Poderia viver suas aventuras mais tarde. No momento, só era preciso correr.

Conto a história de Medrios apenas para traçar um paralelo com a vida de muitos homens e mulheres no século XXI. Vivem presos numa roda de monotonia e conformismo. Trancafiados em crenças e religiões de seus avós e dos avós de seus avós. Pessoas assim percebem apenas vislumbres das verdadeiras possibilidades e oportunidades que a vida tem para oferecer. Oportunidades essas que certamente serão perdidas, pois muitos vivem num circulo vicioso.

Manter a roda girando os deixa ocupados demais para planejar uma mudança significativa. Preferem continuar girando a roda que não leva a lugar nenhum. Mudar aquilo que sempre foi de determinado jeito é desafio para os bravos. Além do mais, traçar um novo rumo para um futuro desconhecido é assustador, e a vida rotineira, embora enfadonha, é muito mais segura.

Esqueci de dizer: Medrios é só o hamster de um garotinho que conheci.

Edson Moura

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