quinta-feira, 26 de abril de 2012

Falsos Profetas (parte 1)



Por Edson Moura 

Não sei se por falta de tempo ou por pura e simples falta de interesse, mas deixei que a poeira baixasse para falar, somente agora, de um assunto que gerou polêmica na mídia, e um alvoroço no meio evangélico. Por um tempo este tipo de incidente não me incomodou, uma vez que sou ateu, e sendo ateu, pouco deveria me importar com escândalos em igrejas evangélicas, católicas ou qualquer outro tipo de religião, crença e afins. Mas o problema é que, antes de ser ateu, sou pai, filho, e cidadão da Terra, e é triste ver às vezes como alguns amigos, familiares e até mesmo estranhos são literalmente enganados, engodados, fisgados e depois descartados por algumas igrejas e crenças.

De quem vou falar agora? Já falei uma vez do “Apóstolo Agenor Duque”, meu amigo e coautor neste blog, Marcio Alves já escreveu sobre “Bispo Edir Macedo”. Também já escrevi duras críticas à “Apóstolo Sérgio Lopes, Silas Malafaia, Valnice Milhomens, Bispa Sônia e Apóstolo Estevan Hernandes, Marco Feliciano, Reverendo João Batista e R.R. Soares, enfim, já disse e repito que para mim não passam de charlatães, picaretas, ladrões covardes, ou como se diz no meio evangélico: “Lobos em pele de cordeiro”. Poupei somente um, e esse um agora será alvo de minhas críticas também.

Não quero atacá-lo como pessoa, e sim como “líder”. Isso mesmo, em dos maiores líderes religiosos do Brasil. “Dono” de uma igreja que vem crescendo exponencialmente às custas da ingenuidade de seus fiéis, que são manipulados a tal ponto, que torna-se praticamente impossível convencê-los de que os documentos comprovando a roubalheira são verdadeiros. Pois é, (este é um de seus muitos chavões), “O King Kong” (Edir Macedo) é mico perto de Valdemiro Santiago. Ele mesmo! Valdemiro Santiago tem convencido milhões de pessoas a esvaziarem seus bolsos em troca de um milagre, de uma cura milagrosa, de um emprego em tempos de crise, de um precatório que não sai, e tantos outros desejos de seus fiéis. Meu povo sofre por que lhe falta conhecimento.

O Povo é burro! Não há mais como negar. Sofre por que quer! Parece que gosta! Bando de inúteis! Merecem mesmo que um malandro tire até seus últimos centavos! Era isso que eu dizia em alguns momentos de ira. Mas no fundo não peno assim. Quero que o povo se liberte. Quero que meu povo seja autossuficiente. Quero que meus concidadãos abram os olhos, arregacem as mangas, que trabalhem com a força de seus braços e de suas mentes para conseguir seus bens pessoais, e não que fiquem implorando a um Deus que nem sequer existe, que lhes dê proteção, prosperidade e vida. Então, só para encerrar este parágrafo e entrar realmente no texto, gostaria de salientar, e se possível gritar, que: Não se enganem mais meu povo! Valdemiro Santiago é um ladrão! Assim como todos os outros que citei acima.

Bom, feito o desabafo, quero agora trazer à você, crente ou não, ateu ou não, cético ou não, um pequeno estudo, com exemplos e tudo mais, de como escapar das garras da mentira. Inspirado por Carl Sagan, gostaria que você que chegou até aqui, e que possivelmente já está me odiando, ou amando, quem sabe, não pare a leitura. Vá até o final. Quem sabe poderá aprender algo. Quem sabe, a partir deste texto, seu senso crítico e melhor, autocrítico, aflore. E toda vez que tentarem enganar você, algumas nuances o farão questionar, o farão refletir se é possível, se existe outra hipótese, mas sempre partindo do principio lógico de que: “A ausência de evidências não é a evidência da ausência”.

Benjamim Franklin, em 1784 escreveu: “Havendo tantos transtornos que se curam sozinhos e tanta disposição na humanidade a enganar-se a gente mesmo e a outros, e como meu comprido tempo de vida me deu frequentes oportunidades de ver elogiados alguns remédios como se curassem tudo para ser deixados a seguir totalmente de lado como inúteis, não posso a não ser temer que a expectativa de grande benefício do novo método para tratar enfermidades resultará uma ilusão. Entretanto, em alguns casos esta ilusão pode ser de utilidade enquanto dure”. Mas, “cada época tem sua loucura particular”.

Diferentemente de Benjamim Franklin, a maioria dos cientistas consideram que não é sua tarefa revelar os enganos pseudocientíficos, muito menos a autossugestão sustentada apaixonadamente. Além disso, tampouco tendem a ser muito bons nisso. Os cientistas estão acostumados a lutar com a natureza que, embora possivelmente ofereça seus segredos com relutância, luta de maneira justa. Frequentemente não estão preparados para esses pastores sem escrúpulos (e pastores sem escrúpulos é redundância, eu sei) que não obedecem a uma norma de conduta. Na minha opinião, os pastores estão no negócio do engano. Praticam uma das muitas ocupações (como a atuação teatral, a publicidade, a religião burocrática e a política) em que o que um observador ingênuo poderia interpretar como mentira é aceito socialmente como se fora em serviço para o bem maior. Muitos pastores dizem que não enganam e sugerem que seus poderes lhes são dados por Deus. Alguns usam seus conhecimentos para pôr em evidencia aos enganadores que há entre seus colegas de ramo. Um ladrão se dispõe a caçar a outro ladrão.

Poucos reagem a este desafio com tanta energia como Marcio e eu, que somos considerados “decepcionados com Deus”. A sobrevivência até nossos dias do misticismo dos tempos de Noé e a superstição não me irritam tanto quanto a aceitação acrítica das obras de misticismo e superstição, religiosas ou não, que podem defraudar, humilhar e às vezes inclusive matar. Como todos os seres humanos, também sou imperfeito. Às vezes sou intolerante e condescendente e não sinto nenhuma simpatia pelas fragilidades humanas que fundamentam a credulidade. 

Pretendo trabalhar muito ainda para desmascarar alguns feiticeiros, videntes remotos, “telepatas”, pastores cheios da unção e curandeiros que extorquem seu público. Não estou preocupado se mais cedo ou mais tarde venham me chamar de “obcecado pela realidade”. Quem dera pudesse um dia dizer o mesmo de nossa nação e nossa espécie. Qualquer um há de convir comigo que as coisas andam muito bem no falso, mas, lucrativo negócio da cura mediante a fé. Quero ainda poder mostrar que os que se levantam das cadeiras de rodas e, conforme se afirma, foram curados pelo pastor, ou como dizem, Jesus, nunca tinham estado confinados a cadeiras de rodas, são contratados pelos bandidos do púlpito para florearem o “show da fé” que estão apresentando. 

Desafio qualquer pastor safado a proporcionar provas médicas sérias para dar validade a suas operações miraculosas. Convido às agências locais e federais do governo a aplicar a lei contra a fraude e a má prática médica, pois é isso que estão fazendo muitas vezes, impedindo por meio da sugestão, que o doente procure um médico de verdade. Critico aos meios de comunicação por seu proposital afastamento do tema. Desejo trazer à tona o desprezo profundo desses pastores, para com seus “pacientes fiéis” e paroquianos. Muitos são enganadores intencionais que usam a linguagem e os símbolos evangélicos cristãos ou da Nova Era para aproveitar-se da fragilidade humana. Possivelmente alguns deles tenham motivos não venais. Possivelmente... possivelmente.

Ou será que estou sendo muito radical e severo? No que se diferencia o enganador ocasional na igreja, da fraude ocasional na ciência? É razoável suspeitar de toda uma profissão porque há algumas maçãs podres? Parece-me que, como mínimo, há duas diferenças importantes. Primeiramente, ninguém duvida de que a ciência funcione de verdade, embora de vez em quando possa oferecer uma afirmação equivocada ou fraudulenta. Mas, que aconteça cura “milagrosa” graças à fé, independentemente da capacidade de o corpo curar-se naturalmente, é francamente duvidoso. Em segundo lugar, e muito importante, a ciência expõe, quando descoberta uma fraude e engano quase exclusivamente por si mesma, não espera que outras entidades o façam. É uma disciplina que se vigia a si mesmo, o que significa que os cientistas são conscientes do potencial de mentira e engano que existe. Mas quase nunca são os pastores quem revelam a fraude e engano na cura pela fé. Certamente, é surpreendente a resistência das Igrejas, sinagogas e centros de umbanda em condenar o engano demonstrável entre suas instituições.

Quando fracassa a medicina convencional, quando temos que nos enfrentar à dor e a morte, certamente estamos abertos a outras perspectivas de esperança. E, ao fim e ao cabo, há algumas enfermidades psicogênicas. Muitas podem ser quando menos mitigadas com uma mentalidade positiva. Os placebos são medicamentos fictícios, frequentemente pílulas de açúcar. As companhias de medicamentos comparam rotineiramente a eficácia de seus medicamentos com os placebos administrados a pacientes com a mesma enfermidade sem possibilidade de reconhecer a diferença entre o fármaco e o placebo. Os placebos podem ser assombrosamente efetivos, especialmente para resfriados, ansiedade, depressão, dor e sintomas que é verossímil que estejam sendo gerados pela mente. É do conhecimento de muitos que o fato de acreditar possa produzir endorfinas (pequenas proteínas do cérebro com efeitos como a morfina). Um placebo só funciona se o paciente acredita que é uma medicina efetiva. Dentro de limites estritos, parece que a esperança pode transformar-se em bioquímica.

Grandes quantidades de pessoas acreditam na existência o que se chama cura psíquica ou espiritual. Ao longo da história humana se associaram à padres, freiras e a uma ampla variedade de curandeiros, reais ou imaginários. A “escrófula”, uma espécie de tuberculose, chamava-se na Inglaterra o “mal do rei” e se supunha que só podia ser curada mediante a mão do rei. As vítimas esperavam pacientemente para que o rei as tocasse; o monarca se submetia brevemente a outra pesada obrigação de seu alto cargo e, embora não parecesse que se curasse ninguém, a prática continuou durante séculos.

Um famoso milagreiro do século XVII foi Valentino Greatracks. Descobriu, com certa surpresa, que tinha poder para curar enfermidades, incluindo resfriados, úlceras, e epilepsia. A demanda de seus serviços aumentou de tal modo que não tinha tempo para nada mais. Afirmava que todas as enfermidades eram causadas por espíritos maus, a muitos dos quais reconhecia e chamava por seu nome. 

Tão grande era a confiança nele, que o cego acreditava ver a luz que não via, o surdo imaginava que ouvia, o coxo que andava bem e o paralítico que tinha recuperado o uso de suas extremidades. A ideia de saúde fazia que o doente esquecesse por um tempo seus males, e a imaginação, dava uma falsa visão a uma classe, pelo desejo de ver, assim como acontecia um falso milagre pelo forte desejo de ser curado do doente.

Há inumeráveis casos na literatura mundial de exploração e antropologia não só de doentes curados pela fé no milagreiro, mas também de gente que se consome e morre pela maldição de um bruxo.

Em 1858 se informou de uma aparição da Virgem Maria em Lourdes, França. A  “mãe de Deus” confirmou o dogma de sua concepção imaculada que tinha sido proclamado pelo papa Pio XI só quatro anos antes. Algo assim como cem milhões de pessoas foram até Lourdes com a esperança de curar-se, muitas delas com enfermidades que a medicina da época não podia vencer. A Igreja católica romana rechaçou a autenticidade de grande quantidade das curas chamadas milagrosas. Só aceitou sessenta e cinco milagres em quase um século e meio (de tumores, tuberculose, cegueira, bronquite, paralisia e outras enfermidades, mas não, por exemplo, a regeneração de uma extremidade ou uma coluna vertebral partida). 

Das sessenta e cinco curas, a proporção é de  dez mulheres por cada homem. As possibilidades de uma cura milagrosa em Lourdes, portanto, são de uma entre um milhão. Há tantas possibilidades aproximadas de curar-se depois de uma visita a Lourdes como de ganhar na mega-sena, ou de morrer em acidente de avião... inclusive indo até Lourdes.

A taxa de remissão espontânea de todos os cânceres, agrupados, estima-se entre um para cada dez mil e um para cada cem mil. Se só cinco por cento dos que vão a Lourdes fossem ali para tratar de um câncer, deveria haver entre cinquenta e quinhentas curas “milagrosas” só de câncer. Como só três das sessenta e cinco curas testemunhadas são de câncer, a taxa de remissão espontânea em Lourdes parece ser inferior à que existiria se as vítimas ficassem em casa. Certamente, se você for um entre os sessenta e cinco curados, será muito difícil lhe convencer de que sua viagem a Lourdes não foi a causa da remissão da enfermidade. Algo similar parece, e deve acontecer nas igrejas evangélicas, centros de umbanda e afins .

No próximo texto, que não demorará muito, darei continuidade ao tema e algumas maneiras de escapar dos enganadores. Sugerirei algumas perguntas que devemos fazer e "nos fazer", toda vez que nos apresentarem uma falácia religiosa de cura por fé.

Continua...     Falsos Profetas (parte 2)                         

terça-feira, 24 de abril de 2012

“Questões acerca da morte” (parte 3)



Por Edson Moura

Na Idade Média, nossos antepassados, com suas limitações de conhecimento e ainda com suas superstições, esta por sua vez, empapada do Cristianismo cada vez mais fortalecido, começaram a se preocupar, não mais  com o destino coletivo das pessoas de sua religião, e sim com o destino de cada indivíduo em particular. Foi então que se estruturou a crença de “julgamento após a morte”, podendo o morto sofrer punições pelos pecados cometidos durante toda a vida.

Segundo a crença anterior, Jesus voltaria, conduziria os que creram até o Paraíso. Modificado então, para um “Dia do Juízo Final”, onde seriam separados os nos dos maus, cabendo aos maus a “Punição Eterna”. “Então dirá aos que estiverem à sua direita:  ‘vinde benditos d meu pai, receberdes por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo...’ Em seguida, dirá aos que estiverem à sua esquerda: ‘apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos...’ E estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna”.

É neste contexto que o conceito de purgatório se desenvolve dentro do catolicismo. Até então esta ideia não era estruturada como dogma, mas apenas como um elemento  procedente da crendice popular, muitas vezes associada à ideia de limbo (local onde as almas das crianças mortas sem batismo deveriam permanecer até a vinda definitiva de Cristo. O termo latino purgatorium (lugar de purificação) parece ter sido usado pela primeira vez no fim do século XIII, por Pierre Le Mangeur, em Paris.

No Concilio de Lyon, em 1274, o purgatório recebia uma primeira promulgação como dogma da Igreja católica, sendo definitivamente proclamado em 1439, no Concílio de Florença, que congregou Católicos romanos e ortodoxos Gregos.

Com o advento do purgatório, a ritualização da morte é modificada, no sentido de buscar o perdão para pecados cometidos em vida, procurando garantir um bom destino á alma que estivesse deixando o seu corpo mundano. Surge a possibilidade de interferir no “destino” do falecido, por meios das súplicas e indulgências dirigidas a Deus e aos santos, visando diminuir o tempo de expiação pelos pecados e facilitar a entrada do “morto” no Céu.

A morte vai tendo seus aspectos repulsivos mais explicados e valorizados. O corpo morto, frio e fedorento, passa a ser escondido. A imagem da morte vai se transformando, deixa de se “bela” e pública para ser feia e escondida, ou melhor dizendo, proibida. Os rituais que outrora acompanhavam a morte e o morrer, são agora esvaziados de sentido em uma maneira de evita o sofrimento pela própria morte. A morte antes aceita com naturalidade, ocorrendo em meio à tranquilidade dos familiares, passa a ser temida. A morte natural passa a ser a mote por velhice, enquanto todas as outras maneiras de morrer sinalizam a possibilidade de um castigo divino.

Feliz ou infelizmente, com o crescimento do pensamento filosófico e científico dos séculos XV e XVI, testemunhamos nova elaboração da vivência da morte. Com o advento do Iluminismo, a morte passa a ser dissociada de seus aspectos religiosos e sagrados, adotando a racionalidade como elemento norteador. A morte passa a ser vista principalmente como um evento biológico, sobre o qual deve-se buscar um maior controle por meio da Ciência e da Razão. Com isso, a estruturação de hospitais, o desenvolvimento da medicina e a busca pelo prolongamento da vida ganham mais atenção.

A relação entre morte e hospital foi se estreitando ao longo dos séculos. Os hospitais tiveram sua finalidade alterada de acordo com cada época e lugar. Antes do advento da medicina científica e tecnológica, o morrer em hospitais era destinado às pessoas pobres ou indigentes, que não possuíam condições financeiras de serem tratadas em suas próprias residências, portanto se dirigiam aos hospitais em busca de recuperação de sua saúde, ou mesmo para morrerem.

Antes do século XVIII o hospital era uma instituição de assistência aos pobres, que visava unicamente sua separação e exclusão. Na visão geral, o principal personagem do hospital não era o doente que poderia ser curado, mas sim, o pobre que estava morrendo e deveria ser assistido material e espiritualmente. O hospital seria portanto, um “morredouro”, um lugar para se morrer. O paradigma vigente nessa época era o paradigma do “cuidar”.

Cuidava-se dos doentes, mas sem a pretensão de reintegrá-los à sociedade, e enquanto estivessem vivos no aguardo da morte. O ato de cuidar estava inteiramente ligado à religiosidade, tendo o sagrado uma função asseguradora: “Cuidava-se do corpo e da alma, de maneira a facilitar à alma a sua entrada nos céus.

Com o tempo, a vivência da morte passou a ser restrita aos hospitais, transformados em locais de cura e recuperação de doentes, distanciando-os do convívio familiar durante sua recuperação ou mesmo no processo de morrer. Atualmente, século XXI, os cuidados médicos e hospitalares se pautam no paradigma de “curar”. Não basta cuidar do doente. É preciso curá-lo a todo custo e combater a morte. O paradigma do curar facilmente torna-se prisioneiro do domínio tecnológico da Medicina moderna. “Se algo pode ser feito, logo deve ser feito, essa é a missão”. Também idolatra a vida física a alimenta a tendência de usar o poder da Medicina para prolongar a vida, mesmo em condições inaceitáveis.

Esta idolatria da vida ganha forma na convicção de que, a inabilidade para curar ou evitar a morte, constitui-se uma falha na Medicina moderna. A falácia dessa lógica é pensar que a responsabilidade de curar termina quando os tratamentos estão esgotados.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Alucinações: Ontem, Hoje e Sempre



Iniciando um novo estudo sobre a evolução das crenças e das religiões, gostaria de compartilhar alguns relatos colhido em muitas regiões do mundo, sobretudo Europa. Nossas crenças em nada são absolutamente nossas e muitas vezes nem mesmo sabemos de sua origem. Acreditamos em tantas bobagens, em tantas mentiras sem fonte de verificação, ou mesmo sem vontade de nos aprofundarmos no assunto, que, em minha opinião, o que não acabou ainda, é preciso que acabe o quanto antes, para que o homem possa, de uma vez por todas, libertar-se das garras do “demônio” que habita em sua psique.

Os deuses nos guardam e guiam nossos destinos, é o que ensinam muitas culturas humanas. Existem também outras entidades, mais malévolas, responsáveis pela existência do mal. As duas classes de seres, tanto se a consideramos naturais ou sobrenaturais, reais ou imaginários, servem às necessidades humanas. Até no caso de serem “totalmente imaginários”, muitos se sentem melhor acreditando neles. Assim, em uma época em que as religiões tradicionais se viram submetidas ao fogo iluminador da ciência, não seria estranho vestir uma nova roupagem nos deuses e demônios de antigamente extraterrestres hoje.

A crença nos demônios estava muito estendida no mundo antigo. Os consideravam seres mais naturais que sobrenaturais. Hesíodo os menciona casualmente. Sócrates descrevia sua inspiração filosófica como a obra de um demônio pessoal e benigno. Sua professora, Diotima da Mantineia, disse-lhe que “tudo o que é gênio (demônio) está entre o divino e o mortal... A divindade não fica em contato com o homem, mas sim é através deste gênero de seres por onde tem lugar todo comércio e todo diálogo entre os deuses e os homens, tanto durante a vigília como durante o sonho”.

Platão, o estudante mais célebre do Sócrates, atribuía um grande papel aos demônios: “Nenhuma natureza humana investida com o poder supremo é capaz de ordenar os assuntos humanos, e não transbordar de insolência e engano”.

Não nomeamos aos bois senhores dos bois, nem às cabras das cabras, mas sim nós mesmos somos uma raça superior e governamos sobre eles. Do mesmo modo Deus, em seu amor pela humanidade, pôs acima de nós os demônios, que são uma raça superior, e eles, com grande facilidade e prazer (para eles), nos dão paz, reverência,  ordem e justiça que nunca fraqueja, ou seja, fizeram os homens felizes e uniram as tribos..

Platão negava decididamente que os demônios fossem uma fonte de mau, e representava Eros (o guardião das paixões sexuais) como um gênio ou demônio, não um deus, “nem mortal nem imortal”, “nem bom nem mau”. Mas todos os platonistas posteriores, incluindo os neoplatonistas que influíram poderosamente na filosofia cristã, sustentavam que havia alguns demônios bons e outros maus. O pêndulo ia de um lado a outro. Aristóteles, o famoso discípulo do Platão, considerou seriamente a ideia de que os sonhos estivessem escritos por demônios. Plutarco e Porfírio propunham que os demônios, vinham da Lua.

Os primeiros Pais da Igreja, apesar de serem em sua maioria  neoplatonistas, desejavam separar-se dos sistemas de crença “pagã”. Ensinavam que toda a religião pagã consistia na adoração de demônios e homens, ambos interpretados mal como deuses. Quando o apóstolo Paulo se queixava  da maldade nas alturas, não se referia à corrupção do governo a não ser aos demônios, que viviam ali:

“Porque nossa luta não é contra a carne e o sangue, a não ser contra os Principados, contra as Potestades, contra os Dominadores deste mundo tenebroso, contra os Espíritos do Mal que estão nas alturas”. (Efésios 6, 14)

Desde o começo se pretendeu que os demônios eram muito mais que uma mera metáfora poética do mal no coração dos homens. Os demônios sempre afligiram Santo Agostinho. O pensamento pagão prevalecente em sua época era o seguinte: “Os deuses ocupam as regiões mais altas, os homens as mais baixas, os demônios a do meio... Eles possuem a imortalidade do corpo, mas têm paixões da mente em comum com os homens.” No livro VIII da cidade de Deus (começado em 413), Agostinho assimila esta antiga tradição, substitui aos deuses por Deus e “demoniza” os demônios, declarando que são malignos sem exceção. Não têm virtudes que os redimam. São o manancial de todo o mal espiritual e material. Chama-os “animais etéreos... ansiosos de infligir o mal, completamente alheios à retidão, cheios de orgulho, pálidos de inveja, sutis no engano”.

Podem afirmar que levam mensagens entre Deus e o homem disfarçando-se como anjos do Senhor, mas sua atitude é uma armadilha para nos levar a nossa destruição. Podem assumir qualquer forma e sabem muitas coisas (”demônio” significa “conhecimento” em grego, embora em Latim, “Ciência” signifique “conhecimento), especialmente sobre o mundo material. Por inteligentes que sejam, sua caridade é deficiente. Atacam “as mentes cativas e burladas dos homens”, escreveu Tertuliano. “Moram no ar, têm às estrelas por vizinhas e comercializam com as nuvens.”

Apesar da evolução intelectual, social, política e filosófica, grande parte do caráter e inclusive o nome dos demônios se manteve inalterável desde o Hesíodo até as Cruzadas. Os demônios, os “poderes do ar”, descem dos céus e mantêm relação sexual ilícita com as mulheres. Agostinho acreditava que as bruxas eram fruto dessas uniões proibidas. Na Idade Média, como na antiguidade clássica, quase todo mundo acreditava nessas histórias. chamava-se também aos demônios diabos ou anjos caídos. Os demoníacos sedutores das mulheres recebiam o nome de íncubos; os dos homens, súcubos. 

Há alguns casos em que as freiras, com certa resistência, declaravam uma semelhança assombrosa entre o íncubo e o padre confessor, ou o bispo, e ao despertar na manhã seguinte, “encontravam-se sujas como se tivessem dormido com um homem”. Há relatos similares, mas não em conventos, e sim em haréns na antiga China.

Continua...

quarta-feira, 18 de abril de 2012

"O Mundo Assombrado pelos Demônios" - Carl Sagan (A ciência vista como uma vela no escuro)


Resumo do Livro:
 
Sequestros por alienígenas, anjos e gnomos, feitiçarias e maus-olhados, curas quânticas e o poder extraordinário das pirâmides. Um dos muitos paradoxos do mundo moderno é a convivência entre o enorme sucesso da ciência e da tecnologia e a disseminação de crenças não-científicas ou pseudo-científicas nas sociedades.
 
Mitos sempre existiram. A novidade é que, no seio de nossa cultura "científica", vários deles assumem formas "modernas" e procuram na própria ciência respaldo para se sustentar (apesar de atropelarem sistematicamente os métodos científicos), produzindo as chamadas "pseudociências". Ironicamente, sua difusão é enormemente facilitada pelos mesmos meios de comunicação de massa que a ciência ajudou a criar. A ciência é "filtrada" por uma mídia em grande parte acrítica e sua parte mais importante, o seu método crítico, não chega à população em geral.

Poucos cientistas se arriscam nesse debate. O astrônomo e escritor norte-americano Carl Sagan (1934-1996), autor da série de TV Cosmos e um dos maiores divulgadores científicos de nossa época, é uma exceção. Em "O mundo assombrado pelos demônios", ele ergue o estandarte da ciência para mostrar as origens das teorias pseudocientíficas e usa-o para rebater inúmeros casos específicos, desde histórias famosas sobre raptos por alienígenas até "superstições estatísticas" em loterias e jogos de roleta.

A tese central de Sagan é que o antídoto do cidadão comum para não tomar gato por lebre (ou ciência por pseudociência) é a aliança equilibrada entre a postura cética e a abertura da mente para ideias novas. A importância dessa atitude, diz o autor, é que "as consequências do analfabetismo científico são muito mais perigosas em nossa época do que em qualquer outro período anterior", devido aos perigos potenciais dos avanços tecnológicos na vida cotidiana, quando mau usados. 

Desde 1996, ano da publicação do livro, os acontecimentos confirmaram e aprofundaram essa ideia: Avanços recentes como os medicamentos genéricos, alimentos transgênicos e a engenharia genética, além de fatores mais antigos, como usinas nucleares, armas nucleares, antibióticos usados indiscriminadamente e produtos que destroem a camada de ozônio exigem modificações na legislação e a participação de toda a sociedade para evitar efeitos nocivos.

Boa parte do livro contém uma coleção preciosa de desmistificações de uma série de fenômenos "inexplicáveis", incluindo previsões astrológicas, visões e raptos por discos voadores e bruxarias. Mas a obra não se resume a um compêndio de desmentidos. Trata-se de um livro vasto, que cobre uma série de aspectos das origens das pseudociências e das relações entre a ciência e a sociedade.

Pode-se distinguir, entre os 25 capítulos, cinco partes principais. Nos dois primeiros, discute-se a importância da ciência e suas características principais. A seguir, passa-se a discutir os principais fatores responsáveis pela permanência das crenças não-científicas na sociedade. As razões são certas características culturais e biológicas herdadas de nossos antepassados longínquos, fundamentais para a sobrevivência de nossa espécie, mas que podem funcionar como armadilhas para o discernimento quando não reconhecidas. Cada capítulo versa sobre um aspecto dessas armadilhas, ilustrado por vários exemplos concretos.
Por exemplo,a capacidade de reconhecer padrões, inata no ser humano e que nos faz abstrair formas em nuvens e em conjuntos de estrelas (constelações), é responsável pelas visões de canais em Marte e da face de Cristo no mesmo planeta. Alucinações, coletivas ou não, são ilustradas por visões de Óvnis e da Virgem Maria. Reconhecimento de padrões também aparecem na falsa identificação de regularidades em fenômenos aleatórios, como em especulações em jogos de loteria e de roleta.

Sendo o autor astrônomo, boa parte desses primeiros capítulos dedica-se a desmentir histórias sobre visões e raptos por seres extraterrestres, incluindo falsificações propositais - como os círculos perfeitos nas plantações da Inglaterra -, teorias conspiracionistas, como os casos Roswell e da Área 51 e disseminações de histórias através de uma mídia quase acrítica.

A maior parte dos outros assuntos é abordada em função das histórias sobre ET's. Por exemplo, são identificados alguns paralelos entre histórias de raptos por Óvnis e histórias de bruxas e de rituais satânicos - a maioria dos elementos centrais das histórias de rapto por alienígenas está, segundo o autor, presente na paranoia que queimou inúmeras mulheres acusadas de bruxaria na Idade Média. Sagan pretende mostrar com isso que os relatos de raptos por alienígenas são apenas mais um tipo de representação mítica dos medos e desejos humanos: os ETs seriam as versões modernas das bruxas, gnomos e duendes (curiosamente, o Brasil está experimentando um novo "surto" de duendes e anjos povoando o mundo, responsável pela repercussão de obras como as da escritora Mônica Buonfiglio). Alguns casos de raptos por alienígenas e de rituais satânicos são explicados a partir da memória recuperada de abusos sexuais na infância.


A obra não é um texto de filosofia da ciência ou de epistemologia e Sagan não se aprofunda nas relações entre pseudociências, mitos, medos e desejos. Essas relações são visíveis, porém, numa leitura atenciosa do livro. O maior valor dessa parte da obra está em mostrar como as diversas pseudociências não resistem a uma análise mais apurada. 

A partir do capítulo 12, a abordagem muda e o autor passa a complementar os dois primeiros capítulos com a descrição das características da ciência, as razões pelas quais a abordagem científica é a mais apropriada e a comparação com as pseudociências. Novamente Sagan não mergulha em teorias epistemológicas, mas descreve o lado prático do pensamento cético, baseado em sua experiência como cientista. 

Sagan apresenta o que chama de "kit de detecção de mentiras", uma exposição bem elaborada da essência do pensamento cético e seus instrumentos. Esta parte da obra inclui uma interessantíssima lista de cerca de 20 falácias de argumentação mais comuns (páginas 210-215), ilustradas por numerosos exemplos afinados com o cotidiano das pessoas. Por exemplo, o argumento ad hominem, "quando atacamos o argumentador e não o argumento", ou o post hoc, ergo propter hoc ("aconteceu após um fato, logo foi por ele causado").

Nos oito capítulos finais, Sagan afasta-se do combate direto à pseudociência e passa a descrever as relações entre a ciência e a sociedade. Os problemas na educação e na divulgação científica são abordados nos primeiros três. Os últimos são dedicados às relações entre ciência e política, incluindo a importância da cultura científica na formação da cidadania (o autor tem uma experiência pessoal a contar sobre isso), a relação entre instrução e liberdade, a importância da pesquisa básica e o problema das verbas para pesquisas. 

Uma agradável surpresa aparece nas páginas 324-327, quando o autor tenta passar sua enorme experiência em divulgação científica e explica ao leitor como ela deve ser feita. Qual o segredo da vulgarização científica de sucesso? Sagan é direto: "não falar para o público em geral como falaríamos com nossos colegas do ramo" é o único segredo. Entre as "armadilhas potenciais" no trabalho de divulgação, Sagan cita "a simplificação exagerada, a necessidade de ser econômico com as qualificações (e quantificações), o crédito inadequado dado aos muitos cientistas envolvidos e as distinções insuficientes traçadas entre as analogias úteis e a realidade". 

Entre os bons exemplos de divulgadores, são citados os biólogos Stephen Jay Gould e Richard Dawkins, os físicos Steven Weinberg e Kip Thorne, o químico Roald Hoffmann e os astrônomos Fred Hoyle e Isaac Asimov. 

 
O caso da África do Sul é um exemplo concreto de o quanto o analfabetismo científico pode ser trágico: o presidente Thako Mbeki recusa-se a aceitar as inúmeras pesquisas que apontam o vírus HIV como o causador da AIDS (vide a Decração de Durban) e proibiu a administração de medicamentos à população, inclusive às gestantes, cujos filhos teriam muito mais chances de serem salvos se fossem medicadas (cf. Folha de S. Paulo de 17/12/00, pág. A25). A África do Sul é um dos países mais atingidos pela AIDS, com cerca de 10% da população contaminada pelo HIV. Outro caso famoso é o da cantora Nara Leão, que tentou curar um tumor no cérebro através de medicinas alternativas que não fizeram mais do que fazer desaparecer os sintomas (um efeito perigosíssimo!). Nara morreu por causa do tumor pouco depois, em 1989.

O leitor pode tentar desvendar com seus próprios olhos os "mistérios" da ex-secretíssima base militar norte-americana conhecida como "Área 51" nas fotos de satélite disponíveis desde 1998 no site da Terraserver .

Companhia das Letras, São Paulo, 1996.
Páginas: 442

O Provocador 0062

"Compremos o que nos mandam comprar. Comamos o que nos mandam comer. Vivamos a vida segundo a lei da modernidade líquida, mas nunca, nunca mesmo, nos esqueçamos que estamos todos na mesma embarcação. Alguns na popa olhando o mar que para trás ficou, outros na proa, buscando no vasto oceano a sua frente um pedacinho de terra que lhe dê segurança, já outros estão lá no porão descascando batatas e dividindo seu espaço com os ratos, e acredite... de certa forma todos estão felizes."

O Provocador

O Provocador 0062

"Compremos o que nos mandam comprar. Comamos o que nos mandam comer. Vivamos a vida segundo a lei da modernidade líquida, mas nunca, nunca mesmo, nos esqueçamos que estamos todos na mesma embarcação. Alguns na popa olhando o mar que para trás ficou, outros na proa, buscando no vasto oceano a sua frente um pedacinho de terra que lhe dê segurança, já outros estão lá no porão descascando batatas e dividindo seu espaço com os ratos, e acredite... de certa forma todos estão felizes."

O Provocador

O Provocador 0061

"O paradoxo é que só podemos duvidar daquilo em que acreditamos, pois aquilo em que não acreditamos, para nós não é válido de forma alguma, logo, incoerência seria não descrer às vezes da Ciência em que acredito"

O Provocador

O Provocador 0061

"O paradoxo é que só podemos duvidar daquilo em que acreditamos, pois aquilo em que não acreditamos, para nós não é válido de forma alguma, logo, incoerência seria não descrer às vezes da Ciência em que acredito"

O Provocador

sábado, 14 de abril de 2012

O Provocador 0060

"Somos todos analfabetos em matéria de ciências, ou seja, hoje nem tanto, mas até pouco tempo atrás, tudo que não se podia explicar era logo jogado para o "degrau de cima". Podemos, e devemos questionar tudo, para que, uma vez livres da ciência-cristã, não nos vejamos presos a uma pseudo-ciência, cada vez mais longe da ciência-real, que é a única mãe má, que diz ao filho que ele morrerá e não voltará jamais"

O Provocador"

O Provocador 0060

"Somos todos analfabetos em matéria de ciências, ou seja, hoje nem tanto, mas até pouco tempo atrás, tudo que não se podia explicar era logo jogado para o "degrau de cima". Podemos, e devemos questionar tudo, para que, uma vez livres da ciência-cristã, não nos vejamos presos a uma pseudo-ciência, cada vez mais longe da ciência-real, que é a única mãe má, que diz ao filho que ele morrerá e não voltará jamais"

O Provocador

O Provocador"

segunda-feira, 9 de abril de 2012

“Questões acerca da morte" (parte 2)


Por Edson Moura

Diante da questão da morte, os filósofos não poderiam simplesmente ignorar sua importância. Muitos filósofos, no decorrer da história da Filosofia, dedicaram profundas reflexões sobre o assunto na tentativa de apaziguar suas próprias consciências, e dar sentido àquilo que parece uma fatalidade, um absurdo, um castigo. A seguir veremos alguns dos principais filósofos nessas reflexões.

Segundo a tradição, um dos maiores filósofos foi Sócrates, embora nada tenha escrito e quase tudo que conhecemos acerca de seu trabalho fora escrito por seu discípulo Platão. Os últimos momentos da vida de seu mestre encontra-se narrado no diálogo de “Fédon” ou “Da Imortalidade da Alma”. Sócrates corajosamente aceita a sentença que seu pares lhes impuseram , negando-se a fugir como propunha seus discípulos, pois para Sócrates, obedecer as leis da cidade era uma questão de honra. Devemos nos lembrar que Sócrates também era político, uma espécie de deputado ou senador de Atenas.

Aceitando sua sentença de morte, Sócrates dá sua última “aula” aos discípulos, revelando o caráter moral de sua decisão, de coerência com o que havia dito e vivido como cidadão ateniense. Fala das virtudes (temperança, coragem, justiça) e convida seus discípulos a serem fiéis aos apelos de suas consciências, mesmo enfrentando tamanha injustiça. Diz Sócrates: “Se morrer é encontrar-se com os grandes da história de Atenas, como Péricles, pai da democracia, a morte então seria um prêmio para ele”. Impressionado com a vida e também com a morte de seu mestre, Platão revelará em praticamente todos os diálogos que escreveu, como  no “A defesa de Sócrates”, o quanto seus ensinamentos e coerência de vida eram fundamentais para construção de uma sociedade justa e de uma vida feliz.

Podemos também falar de Epicuro, nascido na cidade de Samos, tornou-se discípulo de Demócrito com apenas quatorze anos de idade. Depois de muitas idas e vindas, instala-se em Atenas onde funda sua escola filosófica para homens e mulheres, que, como não podia deixar de ser, foi alvo de fofocas escandalosas. Epicurismo ou Hedonismo, tem como princípio de sua doutrina, pregar que a felicidade humana deve se basear na vivência do prazer, o que não significa desregramento ou, imoralidade. Para ele, o prazer devia ser regido pela razão, pelo equilíbrio, ou seja, a justa medida de Aristóteles.

Epicuro ensina seus discípulos a não temer a morte, pois pior seria viver para sempre e pior, viver em desgraça, miséria ou dor. Antecipar o pensamento de morte não vale à pena, pois o morrer, em si, não faz parte da vida. Será apenas um momento que, de repente nos conduzirá para outros horizontes ou para o nada. Assim como dormimos todas as noites e não percebemos como isso acontece, assim será a morte. Portanto, o que vale na vida de verdade, é procurar viver bem, desfrutar o que há de bom, viver intensamente cada instante, e estar com os amigos.

Também Martin Heidegger, filósofo alemão, e um dos principais pensadores do século vinte, que escreveu obras como “O ser e o Tempo”, é tido como um pensador Existencialista (embora não tenha aceitado o adjetivo). Mas, ao se preocupar com um sentido mais profundo para a existência humana, ou com a questão metafísica do “ser aí”, e ao afirmar que “o homem é um ser para a morte”, Heidegger certamente se inscreve entre aqueles que tiveram um preocupação comum aos filósofos denominados existencialista, como Sartre.

O ser humano vive sua existência como projeto, com suas infinitas possibilidades de realização no futuro, mas somente uma poderá ser sua escolha, que nunca é definitiva. A todo momento a liberdade humana é chamada a se posicionar, a se ajustar, mas sabendo que a própria liberdade não é um dado pronto e acabado. A liberdade se faz a cada momento que se coloca, a cada ato, livre ou não. Todavia o homem sabe que há uma “situação limite” colocada pela morte. E este é um fato do qual homem algum poderá escapar, fazendo surgir assim a angustia existencial e as tantas perguntas sobre o sentido de nossa existência.

“Por que, e para que viver, se tudo acabará com a morte?” Quem nunca se fez esta pergunta? Devemos nos lembrar que para Heidegger, não podemos contar com a saída da crença em vida eterna, ou seja, imortalidade da alma, possibilidade dado pelos filósofos metafísicos tradicionais como Platão, Descartes, ou Leibniz.

Diante da angústia perante a desagradabilíssima e inevitável experiência da morte, o que não significa medo psicológico, depressão ou pensamento mórbido sobre a morte, temos duas saídas apenas: Uma existência autêntica dos que assumem essa angústia e aceitam sua finitude, voltando-se para um viver crítico, responsável e quem sabe livre. Se esta é a única vida que tenho, cabe somente a mim vivê-la em plenitude, a construí-la com os outros no mundo, sem medo, sem amarras, sem escravidão e mesquinharias.

A outra posição que um ser humano pode tomar diante dos pensamentos aterradores acerca de sua morte é o do homem inautêntico, que foge da angustia da morte, que nega a sua realidade por meio de mil subterfúgios, refugiando-se na impessoalidade, alienação religiosa e massificação. E por negar a angústia da morte, acaba por negar-se a si mesmo e a autenticidade de sua vida.
Edson Moura

Leia a primeira parte em: "Questões acerca da morte"

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Ramsés - Christian Jacq (Cinco Volumes)

Sobre os Livros:
Quando se evoca a grandeza do antigo Egito, um nome vem imediatamente á memória: Ramsés, que reinou durante mais de sessenta anos.

Ao recriar a grandiosidade e o mistério dos tempos antigos, retrata, como nunca se fez antes, o magnífico faraó Ramsés, cujo reinado se encontra talhado em esculturas colossais. Pertencente à XIX dinastia do Egito Antigo, Ramsés soube cultivar a sabedoria, a justiça e a prosperidade. Abençoado por Sethi e amado pelo povo, ele reinou por mais de 60 anos às margens do Nilo, a terra do misticismo e do encantamento.

Minha opinião: Indico fortemente essa saga, ainda mais pra quem gosta do Egito. Tem um alto conteúdo histórico, amizades, traições, guerras, sexo… o nível do diálogo é extremamente simples, poderiam ser lidos até por crianças se não fosse por algumas coisinhas mencionadas acima. O trabalho editorial é incrível, dando nota 10 para as capas.
1º Livro da Série Ramsés – “O Filho da Luz”
Ano de Lançamento: 2000
Número de Páginas: 389 páginas
Editora: Bertrand Brasil
Tradutor: Maria D. Alexandre

Sinopse: Primeiro volume da saga em cinco partes sobre a vida do faraó Ramsés. Ele é um jovem que anseia secretamente substituir o pai no trono do Egito, mas o direito à sucessão pertence a seu irmão, Chenar. Mas quem realmente sucederá o faraó Sethi?


2º Livro da Série Ramsés – “O Templo de Milhões de Anos”
Ano de Lançamento: 2000
Número de Páginas: 369 páginas
Editora: Bertrand Brasil
Tradutor: Maria D. Alexandre
Sinopse: Ao recriar a grandiosidade do Egito Antigo, o autor retrata como nunca o magnífico faraó Ramsés, cujo reinado se encontra talhado em esculturas colossais. Exclusivo, entre os brasileiros, como o mais conhecido dos pecados capitais – a inveja.
3º Livro da Série Ramsés – “A Batalha de Kadesh”
Ano de Lançamento: 2000
Número de Páginas: 369 páginas
Editora: Bertrand Brasil
Tradutor: Maria D. Alexandre
Sinopse: Neste volume, Ramsés tem de enfrentar um exército inimigo com poder bélico maior do que o seu enquanto busca salvar a vida de sua esposa que está gravemente doente. Comunidade no Orkut: Sem comunidade por enquanto…
4º Livro da Série Ramsés – “A Dama de Abu-Simbel”
Ano de Lançamento: 2000
Número de Páginas: 370 páginas
Editora: Bertrand Brasil
Tradutor: Maria D. Alexandre
Sinopse: No penúltimo volume da série, o egiptólogo Christian Jacq dá continuidade à saga romanceada do faraó egípcio Ramsés. Neste volume, além enfrentar a ira de Moisés, que virá libertar os hebreus, o faraó terá que livrar-se da magia negra de um mago líbio.
 5º Livro da Série Ramsés – “Sob a Acácia do Ocidente”
Ano de Lançamento: 2000
Número de Páginas: 364 páginas
Editora: Bertrand Brasil
Tradutor: Maria D. Alexandre
Sinopse: No último volume da série, o egiptólogo Christian Jacq dá continuidade à saga romanceada do faraó egípcio Ramsés. Neste volume, Ramsés se vê acossado pelo seu maior inimigo: o tempo, pior que todos os magos e hebreus. O tempo roubou-lhe o amor e os amigos, e agora castiga o próprio faraó.

Por Edson Moura

quarta-feira, 4 de abril de 2012

“Questões acerca da morte”


Por:Noreda Somu Tossan

A filosofia, ao contrário do que muitos imaginam, não deve ser complicada, ao invés disso, ela deve ser o mais objetiva possível, sem palavras difíceis, que muita das vezes estão ali presentes nos artigos filosóficos apenas para dar um ar de intelectualidade ao autor. Costumo escrever muito sobre morte, o que me rendeu um rótulo de pessimista, ou mórbido, desiludido ou decepcionado da vida, ou seja, uma pessoa propensa ao suicídio. Pois bem, que pensem o que quiserem. Não me importo (muito) com esses detalhes. Enquanto vão me tachando de frustrado eu vou vivendo e sorvendo cada minuto da minha existência como se não fosse haver outros mais.

Muitos dizem (eu inclusive) que a morte faz parte da vida, o que não soa muito correto se for sermos rigorosos com os termos. Ninguém que ainda esteja vivo, (eu, você que está lendo, todos nós) experimentou de fato o que é morrer. A morte é o fim de um processo orgânico, que ao cessar de pulsar como vida, se acaba, se extingue. Portanto, a morte faz parte do “além-vida”, a morte pertence apenas ao mundo dos mortos. O problema é que o mundo dos mortos faz parte do mundo dos vivos, seja no culto aos mortos, nos cemitérios, nos rituais fúnebres das tantas religiões, na poesia, na literatura, na saudade que fica ao perdermos um ente e na “esperança de um dia o encontrarmos novamente na eternidade”. É aqui que entra a Filosofia.

Se a morte não faz parte da vida, pelo menos ela deve fazer parte do pensamento dos que estão vivos. A consciência que nós “sapiens” temos da morte nos persegue e nos obriga a tomarmos uma posição, mesmo que esta seja fugir de sua lembrança inventando mil desculpas e sublimações. Mas já os que possuem fé, ou acreditam na continuação desta vida, concebem em suas cabeças, um paraíso ou um inferno, um nirvana, um renascer, ou seja, morrer de forma alguma é o fim para essas pessoas. Platão e Sócrates acreditavam nisso, portanto, filosofaram sobre a Vida e a Morte. Já Nietzsche e Sartre não acreditavam, mas também filosofaram. E se para Cícero, “Filosofar é aprender a morrer”, poderíamos reescrever esta frase e dizer: “Filosofar é aprender a viver”.

Todos os seres vivos morrem. Esta é uma lei natural e universal a que ninguém escapa, logo, o ser humano, como animal, também morre. É certo que os avanços na Medicina ou na engenharia Genética andam prometendo certa “imortalidade” para em breve. Mas não sabemos quando, nem como e sequer se atingiremos este sonho. Mas só o homem tem consciência de que vai morrer. E por este motivo, já antes de nossa morte, podemos senti-la, pensá-la, vivê-la, o que não deixa de ser um paradoxo. O fato é que, dessa consciência que temos de que vamos morrer, surge uma gama de possibilidades e consequências históricas, culturais, sociais e filosóficas sobre a significação humana da morte. Daí surgiu as grandes religiões, com a promessa de que o homem não morre para sempre, de que ele sobreviverá à morte física. Sejam eles os Cristãos, os Muçulmanos, os Judeus ou os Budistas.

Mas embora tantos prometam uma vida após a morte, a ressurreição, o renascer, o reencarnar-se, o nirvana, ainda persiste o problema de que cada ser humano terá que enfrentar sozinhos a “travessia com o barqueiro para o outro lado”. Mesmo com o consolo das crenças e das religiões, o medo de deixar a vida continua assombrando a humanidade, provocando calafrios, fugas, alienações, neuroses e orações. E ainda que as religiões prometam a salvação eterna, muitos de seus fiéis abarrotam as igrejas com seus corpos mortais adoecidos em busca de um milagre, curas físicas ou espirituais, prosperidade financeira, o retorno de um amor perdido, ou seja, a felicidade aqui e agora, o mais longe possível da famigerada morte. Ninguém que morrer, nem tampouco falar da morte, da sua morte. O medo da morte é um dos maiores incentivos para a atividade humana, atividade esta em boa parte destinada a evitar a chegada da inevitável morte, buscando inutilmente vencê-la, se enganando com a negação de que ela é o destino final do homem.

Se olharmos com atenção para as diversa civilizações e povos da história da humanidade veremos que todos tiveram e têm uma relação ritual e simbólica com a presença da morte. Desde que se criaram as religiões e os deuses, os rituais criados pelo homem nada mais são do que formas de se relacionarem, de “negociarem” com o sagrado, com o sobrenatural, o mistério divino, tendo com anseio galgarem uma vida que supostamente se estenderia para além desta. Assim o homem buscou, busca e continuará buscando por muito tempo ainda a imortalidade e o eterno. Foi assim que as civilizações antigas inventaram suas crenças absurdas, seus rituais grotescos (a começar pela feitiçaria).

Certamente os feiticeiros foram os primeiros a tentar controlar, pela magia, as forças, sejam elas do bem ou do mal, em benefício do próprio homem e suas necessidades de sobrevivência histórica ou para além dela. Depois deles vieram os sacerdotes, os profetas, os enviados por  Deus ou pelos deuses, tentando mostrar assim que, mesmo sem experimentar literalmente a morte era possível um prelúdio de como seria o mundo dos espíritos, de como os heróis mitológicos iam e vinham do reino dos mortos, vitoriosos, carregando a cabeça de seus inimigos, ou amarrando as serpentes infernais em cativeiros no submundo. Assim foram os deuses do Egito Antigo, Ísis, Osíris, Néftis, entre tantos outros. A crença da imortalidade da alma, que certamente inspirou a fé judaica, marcou toda a milenar cultura egípcia, cujas pirâmides que até hoje erguem-se imponentes nas areias do deserto do Saara, nada mais são do que túmulos de seus reis, guardando sarcófagos com suas múmias embalsamadas e cheias de tesouros, esperando a volta de suas almas do mundo dos mortos.

Na Grécia, os cultos a Orfeu e a Dionísio e os mistérios de Átis e de Adônis possuem a mesma essência, a saber, a morte e o renascimento. Por aí podemos avaliar que, enterrando ou cremando seus mortos, a humanidade sempre revelou e continua a revelar essa crença ou, como alguns gostam de chamar, fé, na eternidade da vida para além da morte.

Continua...