terça-feira, 31 de agosto de 2010

"Deus é brasileiro"

Por Noreda Somu Tossan


Era uma vez, um avião com várias personalidades brasileiras, (políticos e líderes religiosos) que estava caindo. Infelizmente (ou felizmente) não há possibilidades de salvamento, e todos morrerão, pois o avião vai se "espatifar" no chão e considerando o caráter de seus passageiros..."espatifar" é o termo mais apropriado.

Em seus últimos momentos de vida, todos rezam...alguns oram... e confessam seus "pecados", é claro, versões resumidas, e entregam sua alma à providência divina. O avião se esbagaça no chão e os patifes (ops) morrem.

No "céu" Pedrão os recebe de cara feia. O grupo elege ali no momento um porta- voz que explica quem são e de onde vêm. Pedrão "pede" que ele se cale e diz que já sabe muito bem de toda a história deles.

- Não precisa gastar seu vocabulário, eu sei muito bem quem vocês são!

Pedrão aponta para uma pilha de papéis sobre uma escrivaninha cheia de carimbos e formulários e diz:

- Recebemos suas confissões e seus pedidos de perdão e entrada no céu.

O Porta-voz engole em seco e pergunta meio gaguejante:

- E… então?...Fomos aceitos?

Pedrão não responde. Olha em volta, examinando a cara dos "meliantes" que suplicam, aponta para cada um e manda que se identifiquem pelo crime:

- Eu fui um "Juiz Corrupto". Vendia veredictos e enganei centenas de pessoas. Estava assentado na mais alta cadeira da justiça na Terra e minha atitude compromete toda uma classe de magistrados.

- Fui um pastor muito influente no Brasil. Menti para os fiéis.


- Sabe aquela grana dentro da Bíblia...era só a metade. Tinha muito mais dinheiro escondido no fundo da mala.

- Pratiquei o "coronelismo" no Maranhão

- Superfaturei obras públicas.

- Favoreci empresas que me apoiaram na candidatura.

Todos relataram seus podres até que Pedrão fica de "saco cheio" e manda parar.

- Seus requerimentos passaram pela "Comissão de Perdão" e foram rejeitados por unanimidade, diz Pedrão. Passaram também pelo "Painel de Aceitações", apenas por mera formalidade, e igualmente foram rejeitados por unanimidade. Mas como nós, mais que ninguém, temos que ser justos...para dar o exemplo, examinamos os requerimentos também na "Câmara Alta", da qual eu faço parte. Uma maioria esmagadora votou contra. Houve só um voto a favor. infelizmente, era o voto mais importante.

- Você quer dizer…(interpela o porta-voz)

- É! Ele mesmo. Neste caso, anulam-se todos os pareceres em contrário e prevalece a vontade soberana d’Ele. Isto aqui ainda é o "Reino dos Céus", e o que Ele manda..nós fazemos.

- Então nós podemos entrar?

Pedrão suspira com ar triste.

- Podem. Se dependesse de mim, iam direto para o "Inferno". Mas…


E todos entram pelo "Portão do Paraíso", dando risadas e se congratulando. Um querubim que assistia à cena vem pedir explicações a Pedrão.
- Mas como é que o "Todo-Poderoso" não castiga essa gente?

Pedrão, desanimado diz:

- Sabe como é né, Brasileiro…

Edson Moura (adaptação da crônica "Habito Nacional" de Érico veríssimo)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

“As colunas” parte I

Em determinado momento de suas vidas eles tiveram que enfrentar seus maiores temores. Foram anos de aprisionamento, anos de um mesmo pensamento, mas ao chegar à metade do caminho de suas efêmeras existências...encontraram as cinco colunas. Viram-se em profundo desespero. O mais velho que se chamava “Logomeu”, olhou atentamente para o rosto pálido e sem expressão de seu companheiro “Psiquemom” e sentiu medo. Medo de saber que aquelas colunas precisavam ser destruídas. Medo por não saber se seu amigo suportaria o desencadear de eventos que se sucederiam após a primeira coluna ruir. Mas a caminho -ele sabia - não tinha mais volta, e no fundo, ambos sabiam disso.

No início da jornada o objetivo daqueles dois descendentes de uma tribo conhecida como “Alienadum” era outro. Eles apenas queriam lutar contra seus adversários da terra dos “Enganadorium”, pois não suportavam ver seus amigos e parentes serem levados, um a um, pelos melhores profetas da tribo inimiga.

Eles tentaram não piorar a relação entre os dois povos, mas infelizmente não fora possível, a divisão aconteceu, e eles chegaram ao ponto de onde não se poderia mais voltar. Contemplaram com ternura as cinco colunas, e a primeira delas, que imaginaram, seria a mais frágil, iria se demonstrar uma das mais resistentes. Vou tentar contar essa história com a maior fidelidade possível e talvez, muitos fatos sejam ocultados (ou propositalmente esquecidos) devido ao excesso de detalhes e pormenores que estão contidos nesta saga:

1ª Coluna: “A Benção”. Eles não acreditavam em benção, e por isto, não se cansavam de alertar seus companheiros de que, não se deveria viver dependentes de provisões dos deuses. Eles, a princípio, não diziam que isto não existia, pois muitos dos habitantes da terra dos Alienaduns viviam bem, acreditando nas estórias que eram contadas por seus antepassados. Mas um dia, ao verem um alienadum prostrado, rogando que a divindade salvasse seu filho enfermo, e, ao não ver atendido seu pedido entrou em profunda depressão, achando que o deus ao qual ele servia não gostava deles, ou pior, ele não tivera fé o suficiente para alcançar a graça divina.

Esta primeira coluna foi destruída até suas fundações, pelo menos em seus corações. Eles deixaram de acreditar totalmente nas bênçãos, e por conseqüência, em milagres, inclusive, até achavam uma tremenda falta de “bom-senso” alguém pedir coisas do tipo às divindades, pois o mundo ao seu redor estava deteriorando-se, pessoas morriam a todo instante, plantações eram perdidas por causa dos fenômenos naturais e nada podia ser feito...nada espiritual.

2ª Coluna: “O Inferno”. Inferno era o lugar, segundo a tradição oral, para onde eram mandados todos os seres que não acreditavam nas divindades ou simplesmente não seguiam os ditames já estipulados desde a criação da raça.

Embora todos dissessem o deus era justo e misericordioso, eles nunca conseguiram entender como um ser de caráter tão bondoso poderia condenar sua criatura ao fogo eterno do inferno. Eles acreditavam que muitos que professavam a fé no deus, na verdade, não sentiam uma afeição por ele, apenas tinham muito medo da punição reservada aos que não criam. Isto também eles tentaram passar adiante, mas houve muita resistência, pois, há muitas gerações este medo fora incutido em todos os moradores.

Houve os que os chamassem de hereges, malditos e até demônios, mas eles não se abateram. Derrubaram mais esta coluna e prosseguiram viagem sem olhar para trás, sempre tentando fazer com que, os que os abordavam pelo caminho refletissem sobre todas essas coisas e escolhessem o caminho que julgassem melhor.

3ª Coluna: “O Céu”. Esta coluna, embora eles tenham-na transformado em escombros irreconhecíveis, algo em seus corações ainda insiste em dizer que o povo, embora se diga não mais “interessado” no lar eterno que a divindade os prometera...talvez não tenha verdadeiramente se apagado de seus sonhos (sonhos do povo e não de Logomeu e Psiquemom).

O céu, diz a lenda alienaduniana, é um lugar onde só entrarão os escolhidos num processo seletivo muito apurado, realizado pelo próprio criador. No céu não haverá mais dor, não haverá mais lembranças da vida na Terra, não existirá casamento e tantas outras coisas boas que só se experimenta na Terra. Logomeu e Psiquemom riem quando ouvem alguém falar deste lugar. Riem pois a vontade é chorar. Se tudo que nos tem de mais precioso são as experiências que adquirimos em vida, como poderia um deus bondoso tirar isso do ser humano?

Eles diziam que ao chegar ao céu, o cidadão alienadum seria transformado em zumbi, e passaria toda a eternidade em profunda adoração ao deus egoísta e carente de afeto, representado nas estórias que seus pais lhes contavam. Esta coluna não ofereceu muita resistência, mas eles sabem que muitas pessoas vão, de tempos em tempos, pegar algumas pedras que restaram no lugar onde outrora existia um dos mais firmes sustentáculos da fé alienaduniana, e as escondem num lugar seguro para que não venham a se esquecer por completo desta promessa divina.

Continua...

Edson Moura





terça-feira, 3 de agosto de 2010

“Filosofia na Escola...por que não?”

Por Noreda Somu Tossan

A presença da filosofia no ensino médio representa a possibilidade de se levar aos jovens estudantes um nível de reflexão intelectual que coloca em questão os valores estabelecidos pela sociedade, mudando o modo de compreender o mundo.

Educação escolar, principalmente do ensino médio, não pode ter o seu papel reduzido a mera preparação para o mercado de trabalho. Com essa atitude, não estaremos formando nem profissionais nem cidadãos. Tal concepção da educação, que valoriza apenas a formação técnica, em detrimento de uma formação mais geral, humanista, em que a História, a Geografia, a Filosofia, a Sociologia, as Artes e tantas outras disciplinas, possibilitam o desenvolvimento da subjetividade e da identidade social, Política, cultural, certamente não responde aos objetivos de um projeto educacional que visa a formação de um trabalhador competente, do cidadão consciente, crítico, criativo e participativo, como consta nos documentos oficiais.

Sendo assim, é exatamente neste ponto que entra a Filosofia como disciplina do Ensino Médio. Se a competência técnica é importante no mundo de hoje, não podemos de forma alguma menosprezar a formação humanística geral, pois senão estaremos obedecendo às exigências da razão técnica, causando prejuízos à razão vital, cujas conseqüências são extremamente negativas para a humanidade como um todo e também para a natureza.

Ora, a educação que pensamos devesse incluir, num equilíbrio curricular justo, as disciplinas de Ciências Humanas e Filosofia, certamente deve ter como obrigação a promoção de uma humanidade mais justa e solidária. Sem essa perspectiva, que futuro nos aguarda?

A Filosofia como disciplina formadora, colabora com o desenvolvimento de competências e habilidades essenciais básicas em nossos jovens. Ela se encontra diretamente ligada com a compreensão significativa e crítica do mundo e da cultura em que estamos entronizados. Ela é também umas das principais colaboradoras para uma boa formação tanto moral quanto profissional e política em nossas crianças que, dizemos sempre, “serem o futuro da nação”.

Como ensinar filosofia aos nossos jovens? O que ensinar “de” Filosofia à eles? Por que e para que devemos ensinar Filosofia? Que tipo de homens queremos formar, a partir dos ensinamentos filosóficos?

É preciso elaborar um plano de ensino, e isso é claro, pois a Filosofia pode confundir até mesmo os adultos que já têm uma certa experiência de vida, quanto mais, aos jovens que ainda estão em formação de caráter. Devemos ter em evidência que o trabalho filosófico em nível de Ensino Médio, deve ser primeiramente o desenvolvimento, pelo aluno, do estilo reflexivo (pensamento crítico) e de sua posterior autonomia de pensamento.

Existe também a necessidade de se fazer um minucioso recorte na tradição filosófica, ou uma seleção estratégica de conteúdos, que poderia muito bem ser desenvolvida pelo professor. O estilo reflexivo não pode ser ensinado formalmente pelo professor como uma técnica, e isso já sabemos, pois filosofar não se reduz a um a ginástica intelectual. A intenção deve ser de que o jovem adquira o hábito de refletir com rigor, ou seja, método, Radicalidade (fundamento) e globalidade, indo até às raízes das questões. A intenção é que o jovem aprenda a pensar com a própria cabeça, mas de forma filosófica, ou seja, de forma crítica, adquirindo assim um estilo reflexivo.

Noreda Somu Tossan

Teogonia


Quem és tu que me libertastes daquela agonia?
De viver estranhamente num mundo de fantasia
Forjada nos palácios de marfim da teologia
Hoje meu discurso é apenas uma poesia.

 Um mundo novo me foi revelado pela filosofia
Aos poucos derrubei as muralhas da mitologia
No peito cresceu o amor por uma ideologia
Que torna-me mais humano a cada dia.

Descobri o mundo mágico da psicologia
Observando o ser humano e sua idiossincrasia
Considerei ambos os lados da analogia
Optei por fugir dos braços da teocracia.

Destruí minhas bases evangélicas com maestria
Suportei as crises existenciais com valentia
Apoiei-me nos braços do amigo que me ouvia
Enfrentei meus monstros interiores com ousadia.

Hoje abomino os atos de covardia
De homens que iludem o povo com simpatia
Desprezo todos os tons dessa sinfonia
Que conduzem o ser humano à esquizofrenia.

Não há mais espaço em mim, para nostalgia
Nem o impulso emocional que me conduzia
Contemplo apenas a realidade que se anuncia
De uma fé que em outros tempos me iludiria.

Depois de jogar por terra essa liturgia
Houve quem  dissesse que Ele me puniria
Projetaram monstros que não passam de histeria
Ocultos nos textos-base da teogonia.
 
 
Edson Moura