domingo, 3 de julho de 2011

“Uma tragédia pós-moderna”

Um amigo me procurou angustiado, pois estava vivendo, segundo ele, um dos maiores dilemas de sua vida. Embora tenha insistido para que ele me contasse logo de uma vez qual era esse dilema, ele me disse que precisava de pelo menos três cervejas para criar coragem. (pensi comigo: “Lá vem outra daquelas estórias maçantes de gente fraca que não sabe lidar com os percalços que a vida lhe impõe”.

Sentamos à mesa de um “boteco” chamado “botequim do Edu”, pedi uma “original”, acendi um cigarro para mim e fui surpreendido quando ele pediu um para si, tendo em vista que nunca o vira fumando. Então ele respirou fundo e começou a contar-me sua “tragédia engarrafada”:

Noreda, você sabe que estou namorando uma garota de dezessete anos, não sabe? Pois bem, embora todos nos olhem meio atravessado, talvez pela diferença de idade pois já estou com trinta e nove, talvez pela beleza da menina em contraste com minha péssima aparência, ou apenas por verem um casal tão apaixonado se abraçando pelas ruas, enfim, as pessoas nos observam.

Conheci a garota acerca de seis meses e posso dizer sem hesitação que foi amor à primeira vista. Não consigo explicar como ela me chamou a atenção. Quando a vi, meu coração disparou, era como se eu já a conhecesse, rolou uma química, uma atração muito forte. Ela estava linda, vestida com uma saia um tanto quanto curta, cabelos ondulados e dourados, olhos castanhos e uma pela branca como a de uma boneca de porcelana.

Sempre achei que essas coisas de amor não existiam e que tudo não passava de divagações de poetas recalcados e solitários que apenas conseguiam viver um grande amor em suas imaginações melancólicas. Enganei-me! Estava, aliás, estou apaixonado por esta garota, e tenho certeza que o sentimento é recíproco. Já trocamos juras de amor e até temos planos de nos casarmos.

Nos demos muito bem na cama e embora já tenha transado com muitas mulheres, nunca tive relações sexuais tão intensas como as que tenho hoje com ela. Você acredita que eu fui o primeiro homem de sua vida? Pois é, ela era virgem, e isso me atraiu mais ainda nela. Saber que uma mulher é apenas sua, que homem algum a havia tocado, é de deixar qualquer sujeito com o ego inflado.

Neste momento interrompi o discurso do meu amigo, porque além de já esta ficando excitado, estava vendo que não havia tragédia nenhuma para ser contada, apenas contemplava um homem se gabando por estar saboreando um dos melhores momentos de sua vida, querendo apenas que eu tomasse conhecimento de seu apogeu sexual. Pedi mais uma cerveja e acendi outro cigarro. Mandei já irritado que continuasse. Foi então que seu semblante mudou. Seus olhos lacrimejaram e quase pude ver um homem desesperado, gritando por socorro em meio a uma catástrofe existencial.

Noreda, sempre achei que já a conhecia. Seus olhos me eram familiares e os traços simétricos de seu rosto me faziam lembrar de alguém , como se já nos conhecêssemos. Achei que era fruto da minha imaginação, e que meu coração, tão apaixonado, me fazia acreditar que aquela era minha alma gêmea, mas não era bem assim.

Você não tem noção do tamanho do choque, do pavor que se apossou de mim no dia em que ela me levou à sua casa para que eu conhecesse seus pais. Eu realmente estava com medo da reação deles, pois até eu sabia que eles não aceitariam que sua menina se envolvesse com um cara tão velho. Mas fui mesmo assim!

Ao chegar ao portão da casa, vi uma mulher de seus trinta e poucos anos, cabelos também dourados e ondulados, um corpo ainda atraente apesar da idade. Confesso que não olhei diretamente em seus olhos, talvez por vergonha, talvez por medo, ou apenas porque estava com os olhos fixos, admirando seus seios fartos e arredondados. À medida que fui saindo do torpor causado por aquele corpo atraente, fui levantando os olhos para finalmente encará-la, foi aí que meu sangue gelou...

Era a Sônia! Lembra dela? Aquela minha namorada da juventude! Aquela que eu dispensei depois de tirar sua virgindade. Não me julgue Noreda, eu tinha apenas vinte e dois anos, não estava pronto para ficar com apenas uma mulher, queria aproveitar a vida, e nem me preocupei em dar um motivo para o fim do namoro. Apenas terminei e viajei para fora do país para ganhar algum dinheiro.

Ela me olhou horrorizada, quase desmaiou ao reconhecer-me. Seus lábios arroxearam e foi preciso pegar um copo d’água para ela. O marido estava chegando do trabalho e não me deu muita atenção, apenas perguntou o que estava acontecendo enquanto afagava o cabelo da esposa e pedia para a filha apresentar o seu namorado a ele. Sônia estava catatônica. Não dizia uma palavra sequer. Apenas quando o marido foi até a cozinha verificar porque a filha estava demorando tanto para trazer mais um copo de água com açúcar foi que ela me pegou firme pelo braço, olhou fundo nos meus olhos e com lágrimas rolando por sua face ela disse:

Este que está na cozinha não é o pai biológico dela. Eu me casei já grávida e ele não sabe a verdade e espero que continue assim. Uma coisa é certa... Você não pode mais namorar com ela, pois esta menina é sua filha.

Madonna! Se eu não estivesse sentado numa cadeira do bar, teria caído no chão. Fiquei pasmo. Nunca imaginei que algo assim pudesse acontecer. Uma tragédia! Sim, uma tragédia é o que é! Nem Sófocles poderia imaginar uma desgraça tamanha. Tive pena do meu amigo. Procurei palavras, mas não encontrei. Arrisquei dizer algo, mas a voz não brotava, era como se minhas cordas vocais tivessem sido cortadas. Baixei a cabeça e pude ouvi-lo dizendo algo que me deixou ainda mais espantado:

Eu não vou deixá-la Noreda! Eu a amo e não temos laços fraternais.Mesmo que seja seu pai, e que tenhamos laços sanguíneos, não posso aceitar que um detalhe genético interrompa um amor tão lindo. Vou contra tudo e contra todos para que possamos nos casar e vivermos felizes.

Levantei, acendi mais um cigarro, paguei a conta do bar e disse:

Boa sorte meu amigo, você vai precisar. Virei às costas e parti, como se aquilo não me incomodasse. Como se aquela situação não me afligisse a alma que não tenho. Enquanto a brisa da tarde soprava em meu rosto pude sentir uma fisgada no coração. Algo parecido com uma sensação de alívio...

Alívio por não estar no lugar dele.

Edson Moura

3 comentários:

  1. Carlos Viana

    Bem, logo ao ler este texto, tentei me imaginar nesta situação, mas como só tenho um filho (homem), ficou pouco difícil vou lhe confessar e também minha esposa tem todos os seus parentes que moram em outro estado mas nunca se sabe né.
    Mas visto que ocorrem casos piores do que foi relatado em seu texto, que nem mesmo os laços de convivência podem parar este tipo de acontecimento ou atração.
    Parece-me que as únicas pessoas que conviverão com isso, e os pais biológicos da filha mulher, agora fico imaginando este homem se decidir contar a verdade para... Como podemos chama - lá... Filha mulher ou mulher filha é difícil... E sabendo ela da estória verdadeira decide romper com a relação talvez o sentimento de amor se transforme em ódio pelo abandono do pai biológico, men todos pensam igual.Mas se ele decidir em não contar para ela sabendo do risco que tem de per de lá, imagino como deverá transar com ela após saber isto.
    Mas se tiver alguma vantagem nesta estória é que ele poderá ama lá como filha e como mulher... Trágico não...

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  2. Pois é Carlão! Amar como filha ou como mulher? Sinceramente, acredito que o amor fraternal perderá espaço para o sentimento passional. A menina, mesmo que consciente de que ele seja o pai dela, deverá lutar contra os preconceitos que certamente encontrará.

    Bom, mas como disse o Noreda:

    "Ainda bem que não foi comigo".

    Eu particularmente, não reprovo a atitude do homem que, ao descobrir que sua amada é na verdade sua filha, continue alimentando o sentimento de amor homem/mulher, afinal, o laço sanguineo é bem mais fraco que o fraternal.

    Abraços!

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