segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A Vida, pelos olhos da Morte


Por Noreda Somu Tossan

Enxergar as coisas exatamente como elas são, pode ser uma tarefa muito difícil, mas em contra partida, pode trazer incríveis recompensas para aquelas que insistem em desconfiar de tudo que é muito agradável aos olhos, que vivem o lema: “Quando a esmola é demais, o santo desconfia". A morte é um terror para bilhões de seres humanos, mas para outros, nada mais é, do que o encerramento de um estado que é inexoravelmente transitório, onde não há temor, e aguardá-la pode não ser um comportamento pessimista e mórbido.

Schopenhauer, como sua filosofia “pessimista", muito contribuiu para que a humanidade vivesse melhor. Posso citar a exortação que ele faz ao destemor  da morte, ou, ao valor dela frente à vida sofrida e miserável  que muitos levam. Mais que o fechamento de um ciclo, a morte é o fim do sofrimento, ou seja, o retorno ao descanso, ao silêncio, à quietude. Assim como outrora descansávamos em uma sepultura que era o útero materno, descansaremos novamente, desta vez, no útero desta terra que nos acolheu e nos deu nossa porção de experiências .

Dizer para valorizar a morte, pode soar estranho, muitos podem entender que estou dizendo para desvalorizar a vida, mas também pode-se encontrar um novo significado para quem se considera um “lutador” nesta vida que, desde a primeira inspiração de oxigênio, não se mostrou nada fácil.
A vida, para grande maioria dos seres humanos, é literalmente uma luta, e tratar a morte, não como uma derrota ou um final sem glória e vergonhoso, e sim como o retorno ao silêncio da própria existência, é comparável à promessa Bíblica de um lugar de paz e tranqüilidade, onde não haverá mais dor, ou até mesmo à perspectiva budista de se alcançar o nirvana.

Schopenhauer dizia que: “Trabalho, aflição, necessidade e esforço, constituem a sorte da maioria das pessoas durante toda sua existência”, mas também afirma logo depois, algo que eleva a dignidade humana. “Para uma tal espécie, nenhum outro palco se presta, nenhuma outra  a existência”.
O próprio cristianismo é uma escancarada  "filosofia do pessimismo". O poder através do qual o cristianismo conseguiu vencer, primeiro o Judaísmo, e logo em seguida o paganismo de Roma e da Grécia, está unicamente em seu pessimismo, na declaração de que nossa condição é excessivamente deplorável e pecaminosa, enquanto o Judaísmo e o Paganismo eram otimistas.

É possível encontrar com facilidade, passagens bíblicas que nos levam a considerações deste tipo, mas olhando por outro ângulo, apresentam a morte como uma valorização da vida. Vale salientar que, nos lábios do filósofo Jesus, essas asseverações em favor da morte, ganham ares de inspiradora fé no significado da própria vida. Ex: “Aquele que tentar salvar sua vida, perdê-la-á. Aquele que perdê-la por minha causa, reencontrá-la-á”.

Na boca de Buda não foi diferente: “Olhai ao vosso redor e contemplai a vida. Tudo é passageiro e nada duradouro. Só nascimento e morte, crescimento e decadência, combinação e dissolução”. Também Epicuro disse após examinar detalhadamente a existência: “A morte não dos concerne, pois quando somos, ela não é, e quando ela é, já não somos ”.

Será que a filosofia chamada de pessimista, realmente não tem utilidade nos dias de hoje?  Será que devemos rejeitar um remédio só porque seu gosto é um pouco amargo? E ignorarmos que na existência há males muito mais amargos que este remédio, não seria uma opção alienante?

Edson Moura (baseado em estudo sobre a filosofia de Schopenhauer)

11 comentários:

  1. Morto. Fica o que pensam de mim.
    Minha essência tornou-se finita.
    Exauriu-se e chegou ao seu fim,
    Mas deixou por aqui esta escrita.

    (Levi B. Santos)

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  2. Bravo Levi meu mestre Bronzeado!

    Somente isto permanecerá
    Aquilo que minha pena escreveu
    Duas ou três gerações, lembrará
    Do filósofo que um dia viveu.

    abraços Levi!

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  3. O medo da morte é instintivo e erroneamente interpretado como desejo pela eternidade, o Marcio acerta em cheio em dizer que não tem medo da morte, mas pena em deixar de viver.

    Desejamos viver, por puro impulso e desejo de vida, isto esta em todos nossos instintos e é tão poderoso que criou doutrinas de imortalidade para saciar e enrolar este desejo.

    Mas a morte é benéfica. Elimina o tédio da continuidade ininterrupta, faz descansar os miseráveis infelizes. E valoriza a vida em todos os seus detalhes simples.

    Às vezes encantado com o milagre e maravilha do mundo, reflito que até poderia existir um criador consciente, mas mesmo assim não consigo conceber que a eternidade não passe de um desperdício.

    E aqui vai uma frase que postei no facebook:

    É um milhão de vezes melhor não existir nada depois da morte do que o desperdício eterno de um céu para poucos, e a monstruosidade de um inferno para a maioria de pessoas semelhantes a eu e você em tudo, que somente não acredita nas mesmas coisas que a gente. Deus não é isso, Ele não daria uma dessa. Não duvide um istante, ninguém merece uma condenação assim, portanto sem inferno o céu acaba também.

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  4. Muito bom Gresder, como sempre, cativou-me com uma escrita delicada, e um pensamento perspicaz.

    A frase do facebook está perfeita, nada a acrescentar.

    Valeu!

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  5. "A mente busca o morto, pois o vivo lhe escapa".

    Nascer é o prólogo, e Morrer é o epílogo do Romance de cada um de nós.

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  6. Uma das coisas que acho mais triste é saber que muitas pessoas passam por suas vidas temendo tão ferozmente algo como a danação eterna.

    Que lástima.

    Para ser sincera, eu gostaria mesmo que houvesse outra oportunidade.Existe muita coisa por aqui, e acho que uma vida só é muito pouco para mim.Mas nem tudo que me parece bom consegue cativar ao mesmo tempo minha linha de raciocínio.

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  7. Noreda, tudo na paz ? Ótimo artigo. Não é muito fácil compreender a filosofia do bom e velho Schopenhauer , mas quando a mesma consegue ser bem compreendida, trata-se de uma experiência intelectual gratificante. Realmente, o excesso de otimismo denota a falta de sensibilidade desta nova geração. Creio que um otimismo exagerado reflete o grau de alienação reinante na sociedade. Um pouco de pessimismo é fundamental, pois reflete algo de nossa finitude.

    Agora, permita-me discordar de sua afirmação a respeito do pessimismo cristão e do otimismo judaico. Ambas as crenças possuem visões otimistas e pessimistas em seus respectivos arcabouços teológicos. Ao mesmo tempo em que o judaísmo é essencialmente messiânico, portanto projeta a esperança em uma radical mudança dentro da história, essa esperança é acompanhada por angústias e frustrações, pois o reino do messias ainda não chegou. Existencialmente, podemos encontrar um livro quase agnóstico no cânon hebreu, onde a vida é retratada de uma forma bastante pessimista, isto é, como sendo uma experiência desprovida de sentido. Falo de Eclesiastes ......” tudo é vaidade e correr atrás do vento....” Vários salmos também mostram esta verdadeira angústia . Portanto, não considero o judaísmo tão otimista como foi citado.

    A respeito do cristianismo, o mesmo herda o conceito de pecado original presente no judaísmo. Não obstante o pessimismo oriundo de tal visão, não podemos esquecer que o cristianismo, tal qual o judaísmo, é essencialmente escatológico, principalmente em sua primeira etapa como movimento essencialmente palestino. Até mesmo em seu estágio paulino, já bastante influenciado pela filosofia platônica, um dos fatores primordiais da teologia cristã era a esperança da consumação de um novo céu e uma nova terra. Sobre esta questão, recomendo a leitura da clássica obra “ Teologia da Esperança “, de autoria do célebre teólogo reformado alemão J . Moltmann .


    Sara Cerqueira, você é irmã da Rayssa, certo ? Sou fã de carteirinha da sua irmã. Queria apenas fazer um comentário em cima do que você escreveu. Você está certíssima ao afirmar que uma religiosidade pautada no medo de uma eventual condenação eterna é absolutamente medíocre. Sou cristão, e creio em temas como pecado, salvação e etc..... Porém, estes títulos são meramente simbólicos, denotando uma situação que vai além de uma simples condenação em um largo de fogo e enxofre após a morte. Recorro a meu novo guru, o teólogo e filósofo Paul Tillich. Para Tillich, pecado e condenação são sinônimos de alienação, isto é, a situação vivida por todo o ser humano que condiciona suas preocupações existenciais para situações periféricas da vida, esquecendo-se de que apenas o Incondicionado é capaz de libertá-lo dessa situação. Assim, esta “ condenação “ deve ser interpretada de uma forma existencial e inerente à própria vida .

    Abraços

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  8. Sara, a vida é tão maravilhosa, que eu duvido que não exista um ser humano que não gostaria que houvesse outra oportunidade de vivê-la. Mas, infelizmente, tudo indica que não há. Os povos tentaram desesperadamente criar uma crença de vida no porvir, e pasme, acabou dando certo. Muitas pessoas realmente acreditam no paraíso preparado por Deus.

    Eu não acredito, e isso já não me incomoda. Aprendi a dar significado à vida que, ao meu ver, não tem significado algum a não ser aquele que damos a ela.

    Obrigado pela visita Sara, abraços!

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  9. André, você tem razão ao discordar do fragmento citado em seu comentário. Você há de compreender, que, embora queiramos ser imparciais ao escrever um artigo, acabamos cometendo o erro de sermos tendenciosos, e se ninguém perceber...ganha vida um novo sofismo.

    Reconheço o exagero em minhas palavras, mas minha abordagem tem o intuito de elevar a filosofia em detrimento da religião, não me puna por ser tendencioso. Todos somos, ninguém é imparcial, até quando você se considera neutra acerca de determinado assunto, você já está tomando um partido, o da neutralidade.

    De fato, a filosofia por si só já é complexa demais, quanto mais a de Schopenhauer, mas devagarinho conseguimos explorar a fantastica mente deste célebre filósofo.

    Já lí muita coisa do Tillich à época em que era diácono de uma igreja aqui em São Paulo, talvez não o tenha compreendido, talvez o tenha compreendido demais, pois ao ler quase tudo que podia sobre a fé, a crença, o cristianiusmo, tornei-me ateu.

    Uma das frases do Tillich que mais me intrigou e deixou-me decepcionado foi esta:

    "Decidimos que tipo de sabedoria queremos ter quando escolhemos os grupos dos quais ouvimos conselhos, os sábios trazem sabedoria de Deus, os tolos sabedoria do diabo ou falso saber".

    Fiquei tão frustrado com essa afirmação do Paul, que resolvi fazer o caminho inverso, e parti para a filosofia, a começar com Bertrand Russell e Sartre. Descobri um mundo novo, ou melhor, descobri o mundo real, e desliguei-me totalmente do mundo metafísico que a religião me oferecia.

    De qualquer forma, seu comentário foi muito preciso e bem elaborado. Gostaria muito que você permanecesse por aqui, pois a troca de idéias é o que mais me atrai.

    Abraços meu irmão.

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  10. Edson, não pretendo parar de escrever em seu blog. Ele é muito bom. Sobre Tillich. Sou um recém apaixonado pelo pensamento tillichiano. Tempos atrás, preferia Barth, mas seu fideísmo meio que me cansou. Não sou nenhum doutor a respeito do pensamento do luterano alemão, mas a cada dia que leio Tillich, mais me encanto por sua teologia. Seu famoso método da correlação, fazendo uma leitura teológica da cultura como um todo, é essencial para a relevância da religião em mundo secular como o nosso. Não bastando, questões como a opção socialista, o princípio protestante, a ética verdadeiramente ativa (Amor, Poder e Justiça), a “coragem de ser” e a importância do simbolismo e da mística na religião me cativam. Afirmo sem medo que sua teologia fortalece minha fé. Mas minha admiração por Tillich não é sinônimo de uma reflexão desprovida de crítica. Tenho pena do ser humano que compra um pacote pronto e não reflete por si mesmo.

    Também concordo contigo que não há neutralidade neste mundo. Você é filósofo. Eu sou teólogo. Assim, caminharemos por determinados caminhos. No entanto, sou da opinião que é impossível fazer uma boa teologia sem o auxilio da filosofia.

    Por fim, mera curiosidade, você foi diácono em qual denominação?

    Abração

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  11. André, que bom que nos demos tão bem. Fui Diácono da Igreja Paz e Vida ministério Zona Sul, mas quando me propuseram o pastorado rejeitei sem pestanejar. Minhas convicções já divergiam da maior parte dos pregadores que me conheciam.

    saí desse ministéio e comecei a frequentar a Igreja Betesda(pastor Ricardo Gondim), mas, mesmo com um conteúdo teológico mais atraente, não consegui segurar por muito tempo o ímpeto de questionar a tudo que alí ouvia.

    Fiz bons amigos em ambas as igrejas. Amo meu primeiro pastor como a um irmão, mas não freqüento nenhuma igreja mais.

    Obrigado por me chamar de filósofo, mas o título não me cabe. Ainda estou terminando o Ensino Fundamental, e pretendo sim, fazer Filosofia, mas ainda tenho que sair do estágio de "engatinhamento" e começar a andar de verdade.

    Adoro escrever, e trocar idéias é a melhor coisa que um homem pode fazer para crescer um pouco mais.

    Seu conhecimento de deixa extasiado, é um orgulho poder tê-lo como um comentarista neste blog.

    Abraços!

    Ps. Logo mais dou uma passadinha lá no Cristo e Liberdade para comentar.

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